Você já ouviu aquele provérbio alemão “Não jogue fora a criança junto com a água do banho”? Pois, então. Parece que na idade média a família inteira usava a mesma água para tomar banho, obedecendo uma ordem hierárquica, do ancião até a criança mais nova da casa, que corria o risco de ser descartada junto à água suja dos banhos. Hoje usamos esse ditado para alertar alguém em relação a suas escolhas e o que é verdadeiramente importante conservar quando tomamos uma decisão. Neste caso, fica bem claro o que devemos cuidar e o que devemos descartar, mas no dia a dia será que é tão óbvio assim?
Ahhh… Quantas e quantas vezes eu joguei tudo fora… Ou inverti meu julgamento acerca do que era valioso e descartei diamante achando que era para reciclagem. Quem nunca? Sigo aprendendo a identificar o que devo cuidar e conservar e o que posso abrir mão, deixar ir, descartar ou reciclar. E como a gente aprende isso? Errando, meus caros, errando. Com sorte, abertura e muita dedicação, aprendendo com os nossos erros.
Fazer nossas escolhas é como “afiar o machado” sabe? Se formos bons observadores vamos perceber que algumas escolhas não “enchem barriga”, são como calorias vazias que empanzinam, mas não nutrem. Ou tipo chocolate que nos dá aquela dose de energia e alegria no curto prazo, mas logo, logo, estamos ansiando por mais um pedaço. É uma constante sensação de vazio, de insatisfação, de falta de algo. Sem medo de errar por muito, suponho que esses sintomas têm a ver com escolher ficar com a água suja ou jogar tudo fora.
Outras escolhas, apesar do mundo estar caindo sobre nossas cabeças estamos em paz, tranquilos, seguros do nosso caminho. Isso não significa que seja fácil, absolutamente. Significa que ficamos com a criança, com o que importa cuidar. Dá uma pensada aí e me conta se você já não sentiu isso?! Mas você está disposto a mudar seus padrões de escolhas para ter essa sensação de paz cada vez mais frequentemente? Você e sua empresa tem coragem de escolher caminhos diferentes dos que foram caminhados até agora?
Para apimentar um pouco mais as coisas, há duas variáveis que deixam tudo bem complexo para essa tomada de decisão sobre nossas escolhas de caminhos: o que é importante para mim é diferente do que é importante para você e para o resto da torcida do flamengo; e o contexto em que vivemos ou que estamos naquele momento faz com que possamos flexibilizar um tanto nossos valores, ampliando nossa noção do que é valioso, ou até mesmo, por não ter pra onde correr, aceitar se ferir por sobrevivência.
O primeiro aspecto não parece ser tão grave, certo? Já que estou decidindo algo para mim, sob o critério do que é importante para mim, deveria ser algo inofensivo, não é mesmo? Mas não o é. Me explico. Vivemos em coletivos, seja em família (independente de sua configuração), seja no trabalho, seja em nossa vida social/afetiva. Estamos todos conectados em uma rede invisível e interdependente. Afetamos e somos afetados pelas nossas decisões e as decisões dos outros.
Portanto, preservar sua integridade e seus valores pode não cair tão bem para sua imagem social dependendo do grupo ao qual você pertence, ou pode afetar a você e a várias pessoas ao seu redor, nem sempre positivamente. Exemplo: Gestores que privilegiam o curto prazo ao invés do longo prazo pois precisam do bônus ao final do ano deixando todo o time adoecido e enlouquecido; Corte de custos em saúde e educação para investimentos públicos não identificados; demissão em massa para ajustas as finanças da empresa para que seu M&A seja um sucesso; dentre outros.
Quanto ao segundo aspecto, fica difícil pensar na extinção das orcas quando se está passando fome. Exagerei no exemplo, mas o contexto único de cada um, quando estamos numa encruzilhada pessoal, numa fase decisiva da vida ou dependendo de outras pessoas para que possamos sobreviver ou garantir nosso sustento, parece que nosso leque de opções se reduz a zero e vemos com olhos cheios de lágrimas a criança e a água indo embora.
“Mas Mari, não é possível! Tem que haver alguma alternativa!” Claro que tem! E este é o grande convite que faço neste artigo. A saída sempre é para dentro. É o autoconhecimento e a partir dele, abrir conversas poderosas, sinceras e desarmadas dentro dos coletivos aos quais fazemos parte para nos darmos conta do que é importante pra cada um e como podemos convergir nossos valores para um “para que” compartilhado pelo grupo, onde a água suja seja descartada e a criança se mantenha a salvo.
O problema deste caminho não é o percurso em si, é transpor a grande “desculpa”, ops, máxima corporativa atual: EU NÃO TENHO TEMPO. É preciso coragem para puxar o freio de mão, de sustentar o desconforto de não fazer, parar de buscar muletas externas e culpar outras pessoas da performance baixa, para assumir que não se sabe e que todos estamos precisando de ajuda.
E por isso fundamos (eu e André Monc a amans! Para “criar tempo de qualidade onde não se tem tempo” sustentando esses espaços de conversas poderosas onde o que importa conservar seja descoberto, traduzido em estruturas coletivas, para que a partir daí todos possam efetivamente cuidar do que é importante, para todos.
Até o próximo causo!
Mari Carvalho.