Conflito é a negação do outro

Recentemente fui convidado para conversar com um time de líderes de uma empresa de marketing e comunicação sobre conflitos. Já tinha falado desse tema umas cem vezes, mas sempre vinculado às ideias e conceitos de outras pessoas e empresas onde trabalhei. Ainda não tinha experimentado acoplar meu jeitão ao tema. Essa é uma boa oportunidade de me colocar à prova e aprender.

De imediato e de forma automática vem a coisa de “gerir” conflitos, termo que nunca me apeteceu por, de alguma forma, esconder a natureza do conflito e porque, normalmente, o que se gera a partir disso para cuidar desse fenômeno são ferramentas com passo a passo superficiais. Então decidi fazer uma nova busca olhando amorosamente o tema.

Na amans, considerando o meu olhar como interventor, parto primeiramente por observar o que quero entender. Em outras palavras, deixar aparecer o que quero entender como um fenômeno prático dos afazeres humanos, especialmente em organizações. Deixando mais simples e contextualizado: como o conflito surge e opera no cotidiano humano (e ainda por cima fazer isso com simplicidade)?

De imediato me senti como o herói Neo dançando escapatóriamente dos projéteis lançados pelo agente Smith, uma cena clássica do cinema. Só que no caso eu fugia das milhares de definições, resoluções, soluções, crenças e entendimentos sobre o tema. Não para ser o criador de mais um “novo cajuzinho do verão” – modismos organizacionais -, tão pouco negar arrogantemente todo o conhecimento já produzido pela humanidade – homo sapiens amans-arrogans – sobre o tema em nome de uma revolução qualquer, mas apenas para deixar aparecer o fenômeno sem os imbróglios mercadológicos de última geração.

Descarregada a arma do Smtih e salvo pela Trinity, o conflito me apareceu como um fenômeno estritamente conversacional. Sei que muita gente tem dificuldade assumir a simplicidade e potência do “só conversacional”, mesmo passando o dia inteiro – a vida inteira – em redes de conversas infinitas e recursivas. Então esclareço: as conversas têm um grande número de componentes que infelizmente não fazem parte desse artigo e que me fariam cair na deliciosa armadilha da complexidade total – Viu, Mari, estou aprendendo! rsrsr. Para nós dois aqui ficamos que uma conversa envolve uma interação entre o linguajear e o emocionar.

Ver isso me fez notar que o conflito não tem a ver com diferença de ideias, nem com discordância, nem com diferença de crenças, nem com religião, nem com cosmovisão, nem como política. Porém, esses elementos estão presentes em situação em que o conflito surge como conversa, mas não fazem parte diretamente da sua natureza.

Tampouco, os conflitos necessitam daquele outro jargão organizacional de quem quer se impor educadamente: conflitos são bons. Esse é de lascar. Especialmente porque fomenta o comportamento de instigar conflitos nos times e profissionais, mas claro que em nome da criatividade e o desenvolvimento humano. Para soar bem: tensão criativa ou competição saudável. Tédio infinito disso.

Por último, sempre escutei que conflitos são inevitáveis. Olhando por um lado, realmente isso faz sentido dado que somos muitos com muitas formas de viver – literalmente o multiverso -, portanto conflitos vão rolar eventualmente. Por outro lado, essa declaração sempre me trouxe certo incomodo considerando o que comentei no parágrafo anterior, sempre ficava um saborzinho de: se são inevitáveis, vamos meter o loco nos conflitos. Hoje sei que existem conflitos que são evitáveis e sugiro que os evitemos.

Essas eram as principais munições do agente que agia em nome das máquinas.

Tá vendo como só essa voltinha abre uma infinidade de portas que geram grande complexidade e nos afasta bastante do cotidiano simples?

Bom, o que aconteceu na sequência foi mega interessante. E quero deixar explicito que não fiz isso sozinho. Contei amorosamente com a paciência, a perspicácia e a amorosidade da Mari – é a única pessoa no mundo profissional que me deixa aparecer como sou na literalidade e a agradeço profundamente por isso -, que numa conversa bastante discordante e nem um pouco conflitante construímos uma maneira de ver os conflitos de uma forma simples e totalmente conectada com o cotidiano. Lembra que era exatamente essa proposta que eu buscava?

O conflito é a negação do outro.

Pronto. Simples. Cotidiano. E o melhor, nos permite um poder de ação dentro das organizações que eu ainda não tinha visto nos 17 anos de atuação como consultor. Da quase uma vontade de fazer um “novo cajuzinho do verão”, mas não quero isso. Não queremos isso na amans.

De resto foi desenhar uma pequena jornada de 1h20 – na prática durou 2h – para que esse grupo pudesse experimentar o oposto de negar o outro. Nossa proposta era que esse grupo de pessoas aprendesse a deixar aparecer o outro, as relações que eles estabelecem, as diferenças e semelhanças, as situações contextuais mais difíceis sem que isso descambasse necessariamente para conversas conflituosas.

E te digo: foi sucesso total. Tratamos o tema com leveza e profundidade reflexiva e ainda saímos com um combinado divido em três atitudes simples e cotidianas para que, sempre que uma conversa conflituosa surgisse, usarmos essa base combinada para sustentar uma conversa nova.

Meu desejo profundo é que possamos ampliar isso que criamos abrindo as outras duas abas da conversa: o linguajear e o emocionar, o que por si só já daria um workshop de dia inteiro e, pelo menos, mais dois artigos. Isso vai ficar para depois.

Vejam que interessante, gastei mais tempo para desexplicar o conflito do que para explicar nossa proposta de conflito e isso é o indício que esse caminho será maravilhoso.

Seguimos conversando,

André Monc

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